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Trovadorismo
Trovadorismo (séculos XV/XVI – 1434-1527)
A cultura trovadoresca reflete bem o momento histórico
que caracteriza o período: cristãos se organizando para
combater os mouros (mulçumanos) no Oriente ou nos territórios
europeus por eles ocupados, como a Península Ibérica;
o poder espiritual está em mãos do clero católico, detentor
da cultura, sendo responsável pelo pensamento teocêntrico
(Deus como centro de todas as coisas); o poder político feudal
é descentralizado e caracteriza-se pelas relações de suserania
e vassalagem entre nobres.
Os poemas produzidos à época eram feitos para serem
cantados por poetas e músicos. Os Trovadores eram os poetas
que compunham a letra e a música de canções. Em geral
uma pessoa culta. Os Menestréis, músicos-poetas sedentários;
viviam na casa de um fidalgo, enquanto o jogral andava de
terra em terra. Os Jograis, cantores e tangedores ambulantes,
geralmente eram de origem plebeia, e os segréis, trovadores
profissionais, fidalgos desqualificados que iam de corte em
corte, acompanhados por um jogral. Esses poemas recebiam
o nome de cantigas porque eram acompanhados por instrumentos
de corda e sopro. Mais tarde, essas cantigas foram
reunidas em Cancioneiros: o da Ajuda, o da Biblioteca Nacional
e o da Vaticana.
“Grande parte do vasto filão poético trovadoresco encontra-
se hoje ultrapassada, envelhecida para o gosto do leitor
moderno. Todavia, há que usar de cautela, a fim de não se admitir
que tudo quanto caracterizou a lírica trovadoresca esteja
fadado ao esquecimento: o seu primitivismo, a naturalidade
dum lirismo que parece brotar exclusivamente da sensibilidade,
constitui nota viva e permanente; e a agudez analítica da
cantiga de amor, com o seu platonismo a encobrir ardentes
apelos sensuais, ainda hoje encontra eco entre os leitores desse
tipo de poesia. Os “ingênuos” expedientes de linguagem
(que servem de campo fecundo para filólogos e gramáticos)
colaboram na formação de uma peculiar atmosfera de espontaneidade,
quase totalmente perdida com a Renascença. Por
isso, o Trovadorismo exige do leitor de nossos dias um esforço
de adaptação e um conhecimento adequado das condições
históricas em que o mesmo se desenvolveu, sob pena de
tornar-se insensível à beleza e a pureza natural que marcam
essa poesia. [...] para algumas situações e sentimentos amorosos,
os trovadores encontram palavras e soluções formais
que ainda continuam a vibrar, por sua novidade, limpidez de
precisão, compondo imagens duma beleza achada espontaneamente,
quase sem dar por isso, antes fruto do instinto, ou
da intuição, que do trabalho artesanal. Aí reside o seu valor,
ainda hoje.” (MASSAUD, 2008, p. 33-34).
As cantigas eram agrupadas em:
Cantigas de amor:
o eu lírico é masculino e o autor é
geralmente de boa condição social. É uma cantiga mais “palaciana”,
desenvolve-se em cortes e palácios, o amor é a fonte
eterna, devendo ser leal, embora inatingível e sem recompensa.
O amante deve ser submetido à dama, numa vassalagem
humilde e paciente, honrando-a com fidelidade, sempre.
Cantigas de Amigo:
eu lírico feminino, embora o autor
seja um homem. Procuram mostrar a mulher dialogando
com sua mãe, com uma amiga ou com a natureza, sempre
preocupada com seu amigo (namorado). Ou ainda, o amigo
é o destinatário do texto, como se a mulher desejasse fazerlhe
confidências de seu amor. Mas nunca diretamente a ele.
O texto é dialogado com a natureza, como se o namorado
estivesse por perto, a ouvir as juras de amor. A linguagem,
comparando-se às cantigas de amor é mais simples e menos
musical, pois as cantigas de amigo não se ambientam em palácios
e sim em lugares mais simples e cotidianos.
Cantigas de escárnio:
Apresentam críticas sutis e bemhumoradas
sobre uma pessoa que, sem ter nome citado, é facilmente
reconhecível pelos demais elementos da sociedade.
Cantigas de maldizer:
Neste tipo de cantiga é feita
uma crítica pesada, com intenção de ofender a pessoa ridicularizada.
Há o uso de palavras grosseiras (palavrões, inclusive)
e cita-se o nome ou o cargo da pessoa sobre quem se
faz a sátira.
Principais autores e obras:
João Soares de Paiva, Paio Soares de Taveirós (Cantiga de garvaia), João Garcia de
Guilhade, Martin Codax, D. Dinis, Pero Garcia Burgalês e
outros.
Cantiga de Amigo
Sem o meu amigo sinto-me sozinha
E não adormecem estes olhos meus.
Tanto quanto posso peço a luz a Deus
E Deus não permite que a luz seja minha.
Mas se eu ficasse com meu amigo
A luz agora estaria comigo.
Quando eu a seu lado folgava e dormia
Depressa passavam as noites; agora
Vai e vem a noite, a manhã demora
Demora-se a luz e não nasce o dia.
Mas se eu ficasse com o meu amigo
A luz agora estaria comigo.
Diferente é a noite quando me aparece
Meu lume e senhor e o dia me traz;
Pois apenas chega logo a luz se faz.
Vai-se agora a noite, vem de novo e cresce.
Mas se eu ficasse com meu amigo
A luz agora estaria comigo.
Padres-nossos já rezei mais de um cento
Implorando Àquele que morreu na cruz
Que cedo me mostre novamente a luz
Em vez dessas noites de Advento.
Mas se eu ficasse com meu amigo
A luz agora estaria comigo.
Juião Bolseiro
Juião Bolseiro – Jogral galego, exerceu sua atividade
poética nas cortes de Castela e Portugal, no terceiro quartel do
século XIII. Pensa-se que teria permanecido algum tempo na
corte de D. Afonso III. Cultivou os três gêneros da poesia lírica
galego-portuguesa, e embora nos cancioneiros lhe sejam atribuídos
trinta textos, apenas dezoito poemas são reconhecidos
como sendo de sua autoria: quinze cantigas de amigo, duas
tenções (com os nobres João Soares Coelho e Mem Rodrigues
Tenoiro) e uma cantiga de amor. Entre suas cantigas, destaca-
-se uma, intitulada “Mal me tragedes, ay filha”, história de uma
mãe que, em vez de confidente da filha, é a sua própria rival.
São também notáveis algumas de suas cantigas de amigo, quer
pela originalidade, quer pela vivacidade com que os temas habituais
do gênero (ciúme e despeito).